Pedro Gaurim entrevista arquiteto João Paciência
O projeto da Escola Secundária do Cartaxo é da autoria do arquiteto João Paciência, uma personalidade de renome no panorama arquitetónico contemporâneo. João Paciência nasceu em Mora em 1943. Foi diplomado Arquiteto em 1970 pela antiga Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, hoje Faculdade de Arquitetura e Faculdade de Belas Artes, ambas da Universidade de Lisboa. Nessa Escola e na Universidade Lusíada foi professor assistente da cadeira de Projeto, na passagem das décadas de 1980 para 1990.
A Escola Secundária do Cartaxo foi um dos primeiros projetos deste arquiteto que viria a ser o autor de emblemáticos edifícios como o Atrium Saldanha (1991-1993), onde fez equipa com o arquiteto catalão Ricard Boffil (1939-2022), o Saldanha Residence (1993-1999), o Hotel Sheraton (1994-2003) do Porto, estando em fase de acabamentos, o Hotel Melia no gaveto da Av. Fontes Pereira de Melo com a Av. António Augusto de Aguiar em Lisboa. Realizou projetos para Angola e Argélia nos anos 2000. Tem 2 prémios Valor em Lisboa e o Prémio Cidade de Almada. Em 2006 recebeu a comenda da Ordem de Sant’Iago e Espada pelos méritos artísticos.
Neste âmbito, tivemos a oportunidade de conversar com o arquiteto João Paciência, a quem muito agradecemos a disponibilidade e contribuição no registo desta memória.
Entrevista
Pedro Gaurim – Esta escola tem influência norte-americana ou é um mito local?
João Paciência É um mito local; como muitos de todas as gerações, também a minha [arquitetura] sempre teve influências de outras culturas e conceitos que, primeiro no ensino, e depois durante a vida profissional nos vão influenciando, mas não, neste caso este projeto insere-se num conjunto de outros que marcaram a minha atividade profissional na segunda metade da década de 70, em que procurava encontrar soluções de estruturar o espaço publico em que se implantavam, com formas simples colocadas de modo a terem um forte significado de presença.
(vide entrevista saída na então Revista Arquitectura nº 144 de dezembro de 1981)
PG – Como se tornou autor do projeto?
AJP – Trabalhei na época com a Firma INDUBEL que utilizava um sistema de pré-fabricação pesada com painéis de betão que incorporavam vigas, por sua vez apoiadas em pilares com os designados cachorros, permitindo fazer blocos como se fosse um LEGO, sistema que foi muito utilizado em edifícios escolares e de escritórios simples e de caráter mais industrial.
PG – Teve colaboração na autoria?
AJP – Não, foi integralmente pensada e desenhada por mim com base no programa de espaços definido pelo então Ministério da Educação, que se situava ainda na Av. 5 de Outubro em Lisboa.
PG – A escola está situada num planalto com 2 níveis, tirando partido do desnível para zona de bancada do campo de jogos. Foi uma solução virtuosa?
AJP – Foi o resultado da minha observação atenta do local e o depósito de água elevado que ali já se encontrava, que achei tinha um bom desenho e acabou por me ajudar a estruturar todo o espaço público da Unidade Escolar, como eixo de toda a composição em quarto de círculo ao seu redor.
PG – Como surge a ideia de um pórtico circular, que dá monumentalidade e quebra monotonia?
AJP – O pórtico acabou por ser a solução lógica de reforçar esta intenção, ao mesmo tempo que dava melhor unidade aos volumes de diferentes alturas, ao mesmo tempo que dariam sentido à formalização de um anfiteatro exterior aberto a toda a paisagem circundante, convidando ao encontro.
PG – Onde se situava a fábrica da INDUBEL? Como foram transportadas as peças pré-fabricadas?
AJP – Situava-se no Linhó perto de Sintra, e as peças eram transportadas em camiões de dimensões por vezes bastante grandes
PG – A mão de obra era especializada e proveniente da INDUBEL? Houve recrutamento de mão de obra local?
AJP – A mão de obra era da INDUBEL e julgo estar bem recordado que era de facto mão de obra local.
PG – Houve outros edifícios escolares semelhantes?
AJP – Sim, fiz vários de Norte a Sul do Pais enquanto estive nessa empresa (Valadares, Marco de Canavezes, Paços de Ferreira, Vidigueira, Mértola, embora com programas e em sítios muito diferentes.
PG – Acompanhou a obra? – Julgamos que a escola, na origem, era branca. Hoje não é. Neste edifício, a cor é importante? A cor inicial devia ser respeitada?
AJP – Sim a cor era branca, o depósito de água também o era, e a cor é um elemento muito importante na caracterização de um qualquer projeto.
Neste caso pareceu-me ser o branco o que lhe dava melhor unidade e presença.
PG – Lembra-se de algum episódio neste processo que ficasse na memória?
AJP – Não particularmente, mas julgo estar bem recordado de uma muito boa aceitação do projeto e obra, por parte quer do Ministério quer das Autoridades Locais.
PG – O Cartaxo tem orgulho no seu pulmão central, que foi cerca de um antigo convento, e na sua arquitetura antiga azulejada e Arte Nova. Nesse período visitou o Cartaxo? Que impressões teve?
AJP – Confesso que não conheço nem sabia, facto de que me penitencio.
PG – A construção pré-fabricada marcou uma época. Os antigos pavilhões da Escola Preparatória José Tagarro (hoje Escola Primária), inaugurada em 1970 eram pré-fabricados. Poderão ter sido obra da Indubel?
AJP – Não tenho ideia.
PG – A arquitetura pré-fabricada em Portugal tem sido suficientemente estudada?- Que outras empresas se dedicavam à construção pré-fabricada?
AJP – Havia a ICESA, que me lembre, que se dedicava mais a edifícios de habitação, sobretudo em Santo António dos Cavaleiros na época e o Professor Reais Pinto foi sempre um profundo conhecedor desse e de outros processos ligados à construção.
Talvez existissem outras, mas não tenho recordação fundamentada.
A minha experiência nesse particular foi muito episódica e os meus interesses profissionais divergiram para outras áreas após ter saído da INDUBEL.
PG – Havendo em Portugal uma significativa tradição de arquitetura escolar desde o século XIX, identificável por épocas, havendo no Cartaxo, pelo menos, 7 edifícios construídos com modelos escolares, podemos considerar que esta escola se inscreve num modelo pré-definido para escolas públicas ou e um modelo formal livre, que apenas cumpriu exigências funcionais do Ministério da Educação e é um modelo original?
AJP – Sim, havia um bloco tipo dominante que determinou de certo modo muitas dessas escolas, que foi sendo transformado nalguns casos, decorrendo muitas vezes do local e do programa e do diálogo que os diferentes autores poderão ter tido com os muitos técnicos do Ministério muito conhecedores das exigências programáticas.
Muito antes disso trabalhei ainda enquanto estudante com uma ilustre arquiteta investigadora no Ministério da Educação, que se dedicou durante anos a Escolas Primárias Tipo, de seu nome Maria do Carmo Matos*, com quem cheguei a participar, primeiro a preencher fichas de necessidades e dimensões de todo o tipo e depois a colaborar com ela na Escola Preparatória de Mem Martins.
PG – A ponte-corredor que atravessa os dois pavilhões de primeiro andar foi uma inovação? inovações arquitetónicas neste projeto?
AJP – Sim, era necessário para reforçar a ligação funcional entre os diferentes blocos que consituíam o puzzle, e reforçava todo o sentido compositivo da Unidade Escolar.
PG – Recorda-se de outros estudos significativos para este projeto?
AJP – Já não tenho ideia; já passaram uns bons anos.
PG – na sua Carreira profissional, teve mais experiências em arquitetura pública? O que mais gosta de projetar?
AJP – Sim, voltei mais tarde a fazer Escolas, entre elas a Escola Superior Agrária de Beja, dos Paços do Concelho da Guarda, e em inúmeros concursos de projetos de arquitetura pública, de todo o tipo.
Poderão melhor consultar o meu site www.joaopaciencia.pt, e nele encontrarão grande parte da minha obra.
PG – Tem projetos seus no concelho do Cartaxo ou nas proximidades?
AJP – No concelho do Cartaxo não tenho, mas fiz há muitos anos um pequeno edifício na Golegã para a Caixa Geral de Depósitos, que não sei se ainda existe.
PG – Que edifícios mais gostou de projetar e quais considera as suas melhores realizações?
AJP – No Porto o Sheraton Porto Hotel & SPA, em Lisboa o Atrium Saldanha com Ricardo Boffil, no Estoril o Estoril Residence/Hotel Intercontinental.
*Pela importância da Arquiteta Maria do Carmo Matos nos projetos das escolas novas e neste sentido, da Escola Secundária do Cartaxo, apresentamos o seu resumo curricular: “Maria do Carmo Fernandes Ribeiro de Matos (1935-1989) frequentou a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde se licenciou em Arquitetura (1961). Começara, entretanto, a trabalhar em Construções Escolares na Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário, onde, de 1956 a 1959, colaborou em desenhos de projetos. Em julho de 1960, foi contratada pelo mesmo organismo para trabalho de estudo e projeto de Escolas Industriais e Comerciais. De janeiro de 1964 a dezembro de 1966, fez parte do Grupo de Trabalho sobre Construções Escolares (OCDE; Projeto Regional do Mediterrâneo). Em outubro de 1969, transitou para a Direção-Geral das Construções Escolares, então criada no âmbito do Ministério das Obras Públicas. Coordenando o Grupo de Trabalho P3, no Gabinete de Estudos e Planeamento da nova Direção-Geral, desenvolveu trabalho de normalização e projeto dos novos espaços para o Ensino Primário (Escolas Primárias de Área Aberta). Transferiu-se, em 1973, para a Direção-Geral do Equipamento Escolar, tutelada pelo Ministério da Educação Nacional. Participou, então, em estudos de Programação Arquitetónica e Estudos-base para os projetos de execução de instalações para escolas preparatórias e secundárias (1973-1979).”
Informação disponibilizada no site do Arquivo Histórico do Ministério da Educação.
*Pedro Gaurim escreve segundo a antiga ortografia.