Helena Blanco, casada com o presidente da união de freguesias Cartaxo/ Vale da pinta, fala-nos dos seus sonhos, da sua realidade e da felicidade
É natural do Cartaxo, apesar das raízes espanholas por parte da mãe que, muito nova, veio para Portugal, fugida da guerra de Espanha. É uma lutadora, tal como a avó e a mãe, figuras de peso na sua vida, tal como os irmãos mais novos, sempre ao seu lado nos momentos mais difíceis. Viveu dramas familiares, com um divórcio atribulado, problemas com o filho na adolescência, doenças graves das avós e da mãe, num curto espaço de tempo, mas tudo conseguiu ultrapassar. Agora vive em paz e vê na família um refúgio. Comunicadora nata e bem-disposta, orgulha-se do filho, que adora, orgulha-se do marido, que diz ser um lutador e merecedor de tudo o que vem alcançando, e reconhece que a vida é para viver de forma positiva e construtiva. É uma grande aficionada, adora a sua terra, e tem como sonho colocar uma cobertura na praça de touros do Cartaxo e de devolver-lhe a dignidade que já teve, em tempos.
Gostava que se apresentasse, que nos dissesse quem é Helena Blanco.
Sou uma mulher de abril. E considero-me mesmo uma mulher de abril, porque, apesar de saber que há mulheres com lutas muito maiores do que a minha, dentro do meu percurso de vida também já tive umas lutas a travar. Lutei sempre para ser alguém melhor e por um emprego melhor, tentei sempre não depender do marido, até porque, nos dias de hoje, o homem deixou de ter capacidade de sozinho suster o agregado familiar. Isso passava-se no tempo das nossas avós.
A minha mãe sempre trabalhou, depois de fugir da guerra de Espanha, aos nove anos, com a minha avó, que foi presa política e assim que saiu da cadeia veio para Portugal. O meu avô, também preso político, acabou por falecer na prisão, depois de adoecer. A minha avó dizia-me que eu era a pessoas mais parecida com ela, mais até do que a minha mãe. E lembro-me de, quando passei por um divórcio há 22 anos, a minha avó me dizer “nunca baixes os braços! Tens de lutar sempre! Choras sozinha, mas em frente às outras pessoas tens de manter-te de pé!”. E consegui ultrapassar tudo isso.
Comecei a trabalhar muito cedo. Aos dez, onze anos a minha mãe já me levava para trabalhar nas limpezas. Já nesta altura me incutia o gosto pelo trabalho e a responsabilidade. Eu fui uma criança com uma infância muito responsável, porque a minha mãe trabalhava dez a doze horas, por dia, e eu tinha de acompanhar e cuidar dos meus irmãos. Ainda estudava e já, aos 15 anos, ia trabalhar nas férias para as vindimas.
O trabalho não a assusta?!
Não. O que me mete medo é a incapacidade de fazer certos trabalhos, alguns que já fiz, e que agora, aos 51 anos, já não consiga fazer com a mesma facilidade. Depois de deixar os estudos, comecei a trabalhar na sapataria Dalidina, no Cartaxo. Depois estive nas estufas da Cruz do Campo, trabalhei a dias… Depois de me divorciar, e de iniciar a relação com o Délio, trabalhei durante 13 anos na restauração, até conseguir entrar para auxiliar de educação na Escola Secundária do Cartaxo, depois de concorrer, durante cinco anos. Depois estive no Centro paroquial da Ereira, como auxiliar, e gostei muito. Em 1996 consegui entrar no quadro e fui colocada em Pontével, onde já me encontrava a substituir uma pessoa de baixa, e passei, depois, para a Escola do Norte, no Cartaxo, onde estive cinco anos. Entretanto, andava a ver se abria algum concurso para a carreira administrativa e abriu para a saúde, para Lisboa. Concorri, depois de encorajada pelo Délio, e fiquei apurada. Fui para o Centro de Saúde de Marvila e gostei imenso, foi uma experiência muito boa.
gostava de ter sido médica, psicóloga, tudo o que fosse na vertente de ajudar os outros
Foi daí que veio parar ao Centro de Saúde do Cartaxo. Há alguma coisa que a fascine neste trabalho?
Não. Neste momento sinto-me quase parada, estagnada. Depois de tudo o que já ultrapassei e depois de tudo o que consegui evoluir, aqui, neste momento, eu passo o dia a dizer que não ou a dizer que a pessoa só tem consulta daí por um mês… Temos menos médicos, estamos um pouco de pés e mãos atadas, temos muito pouco para oferecer. Por vezes chegam-nos ali problemas graves, que têm de ser resolvidos na hora e nem sempre é fácil.
O que é que ambicionava ser/ fazer quando era jovem?
Havia uma coisa que eu gostava, e cheguei a fazer, era ser cabeleireira (risos). Ainda cheguei a trabalhar, aos fins de semana e nas férias, na Rosa cabeleireira. Mas gostava de ter sido médica, psicóloga, tudo o que fosse na vertente de ajudar os outros. Um sonho muito grande que eu tinha era poder abrir um centro de acolhimento especialmente para crianças maltratadas, abandonadas, com um atendimento de prevenção à delinquência.
Ser atriz também faz parte dos meus sonhos de criança. Eu via imensos filmes e teatro televisivo.
Está envolvida na Associação do Rancho Folclórico do Cartaxo. É importante essa parte mais lúdica na sua vida?
Sim é muito importante para mim. Antes de vir para a Associação do Rancho Folclórico do Cartaxo, onde sou vice-presidente, fiz parte da organização das primeiras festas da cidade, de que o Délio foi o grande dinamizador, em 2007. Com o sucesso das festas, no ano seguinte voltei a participar na organização e fui sempre muito presente e ativa, não por o meu marido estar lá, mas fui sempre de coração. Trabalhava na parte da comida que era de onde conseguíamos angariar algum dinheiro e também agraciar quem cá vinha participar na festa.
O rancho veio depois disso. E gosto muito. É aqui que está a nossa história como povo.
Não dança no rancho, mas faz parte do grupo de teatro da associação?
Ser atriz também faz parte dos meus sonhos de criança. Eu via imensos filmes e teatro televisivo. A minha mãe, apesar de ter pouca instrução, é uma pessoa muito sensível e equilibrada, e adorava o teatro. Nós não tínhamos televisão e íamos ao café do Rosa, que ficava perto da taberna do Etelvino, assistir ao teatro, que passava na televisão todas as quintas-feiras. Eu assisti ao início das carreiras do Rui de Carvalho, da Eunice de Munhoz, aprendi a conviver com todos esses atores, desde muito pequenina. Claro que queria ser como eles, mas isso era um sonho impensável de concretizar. Mas lá consegui realizar esse sonho.
Isto também começou numa altura em que o Délio transformou a vida dele e começou a ter mais afazeres, com o trabalho e o bichinho da política. Com tudo isto ele começou a passar muitos serões fora, eu estava muito sozinha e foi quando surgiu a oportunidade. Na altura nem olhei para trás e entrei para o teatro.
O que nós queríamos era continuar a nossa vida, sem problemas, estável, com trabalho, saúde, paz e sossego.
Em que circunstâncias conheceu o seu marido, atual presidente de Junta?
Já nos conhecíamos, mas nunca tínhamos pertencido ao mesmo grupo, quando andávamos a estudar. Ambos casámos cedo e divorciámo-nos por volta da mesma altura. Reencontrámo-nos já depois disso quando decidimos voltar estudar, para fazer o 12º ano e, passado algum tempo, começamos a namorar.
Casaram logo ou namoraram durante muito tempo até resolverem dar o nó?
Namorámos durante algum tempo e acabámos por nos juntar. Entretanto, o Délio quis casar. Marcamos o casamento e pensávamos fazer um almoço para a família e para os amigos mais chegados, mas o destino não quis. A minha mãe teve um AVC uma semana antes e, à data do casamento, ainda estava hospitalizada. Nesse dia, acabamos por ir trabalhar os dois na parte da manhã, depois arranjámo-nos, com uma roupa normal, comemos um prato de sopa e ainda fomos ver a minha mãe ao hospital, e lá fomos casar. Depois fomos ao Sr. Alvito tirar uma fotografia. Não houve lua de mel; no dia seguinte fomos trabalhar outra vez, como num dia normal. O que nós queríamos era continuar a nossa vida, sem problemas, estável, com trabalho, saúde, paz e sossego.
E com a entrada do marido na política conseguiu manter essa estabilidade?
Pois essa parte aí é que é… principalmente na altura da campanha. São muitas horas fora e é muito cansativo.
É fácil conciliar a vida familiar?
Tem de ser. Eu resmungo muito, sou muito refilona. Mas acabo por compreender, até porque, no fundo, eu vejo que ele faz aquilo com tanto gosto, faz parte dele. E se eu quero que ele me aceite e me respeite, tal como eu sou, eu tenho de respeitar o que ele é. Aos fins de semana até conseguimos estar juntos, tirando um ou outro, ou épocas como o Natal, em que ele tem de estar presente em vários almoços.
Costuma acompanhar o marido nas saídas como presidente?
Quando sou convidada e acho que é próprio e que me vou sentir bem, vou.
Foi a favor da candidatura dele a presidente da Junta?
Sim. Fez-me mais alergia a envolvência na política. Neste caso, quando concorreu para presidente de junta, concordei. Até gostei. Achei que era uma boa maneira de ele tentar fazer alguma coisa por esta terra.
Sente-se orgulhosa do trabalho que ele está a fazer?
Sim, sim. Apesar de ser um trabalho inglório, porque as coisas não estão bem e se o Sr. Salgueiro deixou um bom mealheiro mas o Sr. Fernando Ramos decidiu esbanjar… Ele, a pouco e pouco, lá vai conseguindo resolver as coisas.
Sente que tem uma responsabilidade maior por ser mulher do presidente?
Eu sou uma pessoa extremamente simples. A única preocupação que tenho é de evitar alguma atitude que possa causar alguma celeuma, porque as pessoas às vezes são mazinhas e deturpam muito as conversas. Até porque ele é responsável pelos seus atos e eu pelos meus. Mas no meu dia a dia isso não tem qualquer influência, eu sou exatamente a mesma pessoa.
Gostava de vê-lo um dia como presidente de Câmara?
Nem sim nem não, antes pelo contrário. (solta uma gargalhada) Acho que ele estaria à altura disso e que seria um bom presidente. Mas digo isto sem qualquer ambição pessoal de vir a ser realmente a primeira-dama (outra gargalhada). Acho que ele era merecedor de conseguir isso, se isso fizer parte dos planos dele, mas já agora que as finanças estivessem melhores, porque não é justo para ninguém trabalhar com as condições financeiras atuais.